O luto infantil – olhar de um professor

Quando me perguntaram se poderia escrever sobre o luto infantil com um olhar do professor, através das minhas vivências nos espaços escolares e as relações com as crianças que perdem seus pais, confesso que senti uma lembrança viva que ainda não superei: a dor da perda.

Primeiramente, é preciso ressaltar que eu sou uma profissional da educação que trabalho com aquilo que chamo de emoção. Hoje me reconheço como aquela professora afetiva, sensível e acolhedora. Existem diferentes “perfil” de professores, inclusive aqueles que não se envolvem emocionalmente com seus alunos, sua função unicamente é lecionar o conteúdo, cumprir o horário na escola e este é o seu trabalho. Independente do nível do profissional, pois na academia encontramos professores que podem ou não se relacionar com seus alunos.

Todavia, a relação afeto com outro é pessoal e intrapessoal, não estamos a julgar as relações de vivência e convivência. Estou a colocar que felizmente ou por vezes, infelizmente, vivo intensamente com meus alunos. Nesse sentido, a experiência da perda, ou ausência dos pais, é sempre de dor.

Creio, que um professor, afetivo, acolhedor, humano que encontre no caminhar da vida de uma criança é sempre um encontro rico, uma possibilidade de crescimento, de potência, de afirmação de enriquecimento tanto para o aluno quanto para o profissional. Não apenas digo como palavras bonitas que acalentam o coração, mas como verdade que acalmam a alma e acolhem a criança.

 

Minha menina ficou atordoada, revoltada, ninguém a controlava

Ontem, estudava Malcom X, um líder americano com meus alunos, quando uma aluna me disse: “Veja bem professora, o professor dele disse que ele não poderia ser advogado, no máximo um carpinteiro e ele se tornou um traficante”. Há muitas outras histórias que poderia citar aqui, mas vou contar uma em especial de alguém que guardo no coração.

Ela perdeu a mãe aos 7 anos de idade. Uma morte brutal, violenta, arrancada da vida. Uma mãe jovem, linda, cheia de vida, exuberante, profissional competente e mãe exemplar. Minha menina ficou atordoada, revoltada, ninguém a controlava, os ataques eram cada vez mais fortes. Incontrolável, assim como a sua dor, vinha sua rebeldia.

Ela queria literalmente quebrar o mundo. Por vezes corria pela escola e eu corria atrás. Tinha que abraçá-la e ficávamos chorando juntas. Eu não sabia onde iríamos colocar toda aquela dor do mundo. Mas, a raiva era maior.

Passou o primeiro ano, que foi o mais difícil. Tudo foi se acalmando. Eu acovardada, não aguentei a dor dessa menina, pois também tinha perdido minha grande amiga: sua mãe.  Dizem que as crianças são mais fortes que nós: os adultos. Essa minha menina está bem, superando a cada ano, a terapia tem ajudado muito.

Eu penso e acredito que o professor sempre pode ajudar. Conheço meus alunos pelo olhar, costumo dizer isso e eles sabem que é verdade. Engraçado, aliás, nada engraçado como a dor pode nos tornar fortes e sensíveis ao outro e ao mundo.

Tem um texto muito lindo, de um médico americano, que perdeu sua mãe no 3° ano do Ensino Fundamental, se desleixou nos estudos até que uma professora percebe e o acolhe, a relação dos dois torna-se uma riqueza humana, um dia, quando se forma em medicina e faz o convite a ela, emocionada ele diz: “Sempre lembraste minha mãe.”

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No caso da Rafa, a aproximação do Dia das Mães deixou todos apreensivos, mas deu tudo certo graças à direção da escola, ao profissionalismo e carinho da professora Andriele.

 

A criança precisa de apoio, de diálogo

Sobretudo, quando pensamos no luto infantil, me lembro, num pássaro que precisa de cuidado para seguir seu voo. Eu vou cuidar das suas asas. A gente acolhe a dor. Eu nunca vou chegar perto da dor dessa criança, mas eu posso encostar-me ao coração dela, ser a escuta atenta, estar com ela, o mais importante não calar sua fala, pois calamos a morte.

Temos muito medo da morte. A morte é a sombra, é a negação, é o maior medo da humanidade, somos proibidos de falar sobre. Não falamos sobre a morte com medo de sua chegada. Quando falamos da morte, ela chega: chega em sofrimento, na dor da separação, nas lembranças carregadas de ternura e saudade.

Atravessar a ponte entre a vida e a morte é um caminho muito doloroso, mas necessário para também cicatrizar a ferida, compreender a perda, superar a história de cada um para conseguir continuar. A criança precisa de apoio, de diálogo. O silêncio machuca. As palavras aliviam, as lágrimas nos humanizam, os abraços nos acolhem, sempre.

Minha menina, àquela, me ensinava isso, que eu não podia me calar, eu tinha que ouvir os berros dela, a deixar chorar…”Por favor não me deixe sem chorar!!!”

Se o que eu sei sobre o luto infantil é verdade? Eu não sei. Eu nem quero verdades. Eu apenas o vivi e o vivo do lado, com as minhas crianças no meu colo. Ouvindo a dor delas, para estas dores não ficarem maior que elas.


 

Letícia Fonseca Luconi
Professora da rede Pública e Privada de Língua Inglesa. Especialista em Filosofia e Ensino de Filosofia pela PUCRS. Pesquisadora na UFRGS em Filosofia e Infâncias. Integrante da Comissão Organizadora das Olimpíadas de Filosofia Com Crianças do Rio Grande do Sul. O TEXTO DESTE POST É RESPONSABILIDADE DO AUTOR.


 

4 comentários em “O luto infantil – olhar de um professor”

  1. oi Ronaldo gostei demais da sua entrevista no Encontro, e me emocionei demais, muito linda a forma como você cria sua filha para ver de uma forma linda e sem peso a experiência, parabéns, Deus abençoe,abraço

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  2. Oi! Eu sou a Letícia, quem escreve este pequeno texto.
    Obrigada Ronaldo pela possibilidade de contribuir neste espaço grandioso com um tema tão intenso, tão humano e tão importante de tocarmos. Obrigada pelas palavras!

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  3. Oi!! Eu sou o Ronaldo, o Pai Viúvo que criou este blog.

    Para evitar alguma confusão, gostaria de registrar aqui que a professora Letícia não é a professora da Rafa. Por causa da sua experiência como professora e vivência com uma aluna que perdeu a mãe, foi convidada a escrever este texto, aliás belíssimo!! Obrigado Letícia.

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