Luto Infantil: 6 dicas e 6 necessidades da criança enlutada

Não há muita informação disponível sobre o luto infantil. Por isso este artigo é muito importante para você que deseja saber mais.

Vou contar um pouco da minha vivência, o que aprendi e o que há de novo nos estudos da psicologia sobre o luto da criança.

A seguir, escrevo sobre minha experiência no luto da minha filha de cinco anos e comparo com os estudos do Dr. Alan Wolfelt, educador e estudioso das questões do luto, publicado no site Vamos Falar Sobre o Luto.

 

Minha vivência no luto infantil

Em 2014, minha esposa, mãe da minha filha Rafaela, faleceu subitamente, vítima da bactéria da meningite tipo C.

Fiquei muito preocupado com a saúde da minha filha. Poderíamos estar infectados. Eu não suportaria assistir o sofrimento da minha filha, muito menos a sua morte.

Como se não bastasse esta difícil provação, ainda tive que lidar com o luto da minha filha que na época tinha apenas cinco anos de idade.

A Rafaela é hoje uma criança feliz e sem traumas, graças a estas 6 dicas que vou citar agora, baseadas no estudo de Dr. Alan Wolfelt sobre as seis necessidades da criança no processo do luto.

 

6 necessidades da criança no processo do luto infantil

  1. Reconhecer a realidade da morte
  2. Sentir a dor da perda
  3. Relembrar a pessoa que partiu
  4. Desenvolver identidade própria
  5. Procurar significado da morte
  6. Receber apoio contínuo de seus cuidadores

 

#Necessidade 1: reconhecer a realidade da morte

DICA 1: a criança precisa confrontar a realidade de que alguém que ela amava muito morreu 

 

O dia em que contei a minha filha que sua mãe havia morrido foi o pior dia da minha vida.

Saí do velório e fui até a casa de parentes onde a Rafaela estava hospedada desde quando a mãe fora internada no hospital.

Ao chegar, avisei aos parentes que iria comunicar minha filha do falecimento da mãe e deveria fazê-lo sozinho, somente eu e ela.

Com a voz embargada e com lágrimas nos olhos, disse: “você sabe que a mamãe estava muito doente, não sabe?”.

Percebendo que algo terrível acontecera, respondeu “sim”, acenando com a cabeça.

“O coração da mamãe foi ficando fraquinho, fraquinho até parar, então ela morreu”, falei chorando.

Rafaela saiu correndo. Tios, tias e primos foram atrás para acalmá-la. Nesse momento, contrariando o que eu havia planejado minutos antes, contaram que a mamãe havia “virado uma estrelinha no céu”.

Meu plano era ser o mais sincero possível, sem metáforas, para que ficasse convencida de que a mãe jamais retornaria. Embora não fora exatamente como planejado, mais tarde percebi que a ideia da estrelinha não foi tão ruim. Eu explico melhor sobre isso no final do artigo.

 

#Necessidade 2: sentir a dor da perda

DICA 2: Você pode ajudar encorajando a criança a falar sobre pensamentos dolorosos e ouvir os relatos sem julgamento

No velório, liguei para a psicóloga da escola. Recomendou que levasse minha filha até a cerimônia. Prontamente disse que não faria isso. Retrucou dizendo o quanto é importante levar a criança para despedir-se da mãe.

Embora, no fundo, soubesse que a psicóloga estava certa, era inconcebível para mim trazê-la ali naquele momento de profunda dor para todos nós.

Percebendo que eu estava irredutível, sugeriu que ela fizesse um desenho de despedida.

Depois de contar sobre a morte da mãe, pedi para que a Rafaela fizesse um desenho para a mamãe.

Este é o desenho que ela fez para despedir-se da mãe:

Desde então, estava sempre desenhando e expressando seu sentimento de perda, como relata sua professora neste artigo “Vivência do Luto na Educação Infantil“.

Percebi que era uma oportunidade para encorajá-la a falar sobre seus sentimentos e entender o que ela estava sentindo.

Certo dia, veio até mim com mais um desenho: “pai, quando eu desenho a saudade vai embora”. Se desenhar funcionava com ela, poderia funcionar comigo.

Peguei meu celular, aquele que vem com uma caneta digital, e comecei a rabiscar os meus sentimentos mais profundos de perda.

Um dos primeiros desenhos foi este, quando deixei a Rafa na escola:

 

#Necessidade 3: relembrar a pessoa que partiu

DICA 3: não tente tirar as memórias de uma criança com a pessoa que morreu como uma tentativa equivocada de privá-la da dor

A primeira coisa que a maioria das pessoas faz é guardar todos os retratos e pertences do ente querido que faleceu.

Eu nunca fiz isso. Até hoje os quadros da mãe da Rafa estão na parede, seus óculos estão em um local na sala e nunca joguei fora nenhum vídeo que fizemos juntos com a família. Por mais que fosse dolorido para mim eu mostrava os vídeos e as fotos.

Assista abaixo o vídeo que eu e minha filha fizemos em homenagem a mãe, quando cantamos juntos sua canção preferida.

 

#Necessidade 4: desenvolver identidade própria

DICA 4: ninguém pode preencher para a criança a “vaga” da pessoa que partiu

 

Divergi várias vezes sobre este assunto com educadores com quem conversei. Mãe é insubstituível. Sou pai e jamais serei a mãe da minha filha.

No dia das mães, vi professores dizendo a minha filha “seu pai agora é sua mãe”.

Não sou mãe, nunca vou ocupar o lugar dela. Mães são insubstituíveis. Participei das apresentações como pai, representando a mãe que ela perdeu.

Assista ao vídeo abaixo sobre o Dia das Mães na escola da Rafa.

O estudioso em luto infantil, Dr. Alan Wolfelt, segundo o artigo do site Vamos Falar Sobre o Luto, diz “Não tente achar um pai/melhor amigo/avô substituto”.

Li, certa vez, um artigo e assisti um vídeo sobre um pai que foi fantasiado de mulher para representar a mãe no Dia das Mães na escola da filha.

No vídeo do artigo, claramente notamos que a filha vê o pai fantasiado de mãe como uma brincadeira e uma forma de carinho, mas não como pai tomando o lugar da mãe.

Na 4ª Necessidade da criança enlutada, Dr. Wolfelt, segundo o site Vamos Falar Sobre o Luto,  afirma que muitas vezes as pessoas encorajam as crianças a assumirem o papel e as tarefas que pertenciam à pessoa que morreu.

Isso pode impedir o processo de superação e roubar a inocência da infância da criança enlutada.

 

#Necessidade 5: procurar significado da morte

DICA 5: o que acontece com as pessoas depois que morrem? …Não tente responder todas as perguntas sobre o significado da vida

 

Esta é a parte que me incomodou por muito tempo e hoje, confesso, ainda me incomoda um pouco.

Lembra do começo deste artigo, quando falei que disseram para minha filha que a “mãe virou uma estrelinha no céu”?

Pois é, muitas vezes tive que dizer que ninguém tem muita certeza do que acontece quando alguém morre.

Mas, conversando com psicólogos especialistas em luto infantil, não há problema em dizer que a mãe virou estrelinha. O erro está em fazer com que a criança acredite que há uma possibilidade de retorno do ente querido.

Sempre tempo explicar para minha filha que a vida acaba algum dia. Procuro mencionar sobre os bichinhos que tivemos e morreram, que um dia nossa cachorrinha Piti também irá morrer um dia.

 

#Necessidade 6: receber apoio contínuo de seus cuidadores

DICA 6: uma criança que passa por um processo de luto rodeada de suporte e apoio tende a ser um adulto mais saudável

Quando a mãe da Rafa morreu, eu já trabalhava em casa, mas meu propósito era voltar para um escritório.

Decidi continuar em casa e dar todo meu amor possível para que minha filha vivesse o processo do seu luto infantil. Tive sorte de ter a oportunidade de colocá-la em boas escolas com bons educadores.

Com meu blog, fiz várias entrevistas com psicólogos especializados no luto infantil que me deram suporte e conhecimento necessário para vivermos nosso luto e avançássemos no processo do nosso luto.

 

O que eu aprendi com o luto infantil

Conversei ao longo dos anos com muitos pais enlutados e psicólogos especialistas em luto infantil. Aprendi muito com eles e com a minha vivência. Veja:

 

As pessoas estão perdendo a capacidade de lidar com o luto, especialmente o luto infantil

Estamos vivendo mais tempo. A perda de um ente querido é mais tardia e a morte infantil não é mais tão frequente como no tempo de nossos avós.

Na época do meu pai, o corpo era velado em casa e não na capela do cemitério. Acredito que o distanciamento e o contato tardio com a morte de pessoas que amamos prejudicam o processo do luto que deveria ser mais natural do que é hoje.

As crianças não aprendem sobre a morte nem experimentam o sentimento da perda o que as tornam adultos que não sabem lidar com o luto e muito menos com o luto infantil.

Não levamos nossas crianças nos velórios porque acreditamos que estamos poupando-as do sofrimento, quando na verdade deveríamos levá-las para que aprendam a lidar com o sentimento da perda.

 

No luto infantil, as crianças têm reações distintas em relação à perda

Com os pais que conversei, notei que seus filhos tinham reações diferentes mesmo tendo a mesma idade da Rafaela.

Relataram que algumas crianças ficavam em silêncio e não gostavam de falar sobre o assunto, outras conversavam com seus pais sobre seus sentimentos.

Uma mãe contou que disse para sua filha que o pai tinha virado uma estrelinha no céu, a criança respondeu “isso não é possível”.

Portanto, algumas crianças aceitam bem as metáforas que tentam explicar a morte, como no caso da Rafaela e a mãe estrelinha, mas outras compreendem melhor a morte com respostas concretas. No artigo do site Vamos Falar Sobre o Luto eles descrevem bem essas diferenças de compreensão.

A percepção em relação à morte também depende da idade da criança:

• 0 aos 3 anos: a criança é incapaz de compreender a morte;

• 3 e 5 anos: a criança entende a morte como algo que pode ser revertido;

• 5 e 6 anos: a morte começa a ser compreendida, mas sempre associada a termos mágicos que a explique;

• 7 e 10 anos: a criança entende a morte como não é reversível e começa a se questionar a respeito dela;

• acima dos 11 anos: a criança já entende o significado real da morte e a aceita como uma condição natural da vida.

Independente da idade, mesmo com reações distintas, aprendi que elas precisam ser estimuladas de alguma forma a conversar sobre suas dores.

A Rafa tinha 5 anos quando a mãe falecera. A forma que encontrei foi desenhar e fazer vídeos, talvez a sua seja outra, nesse caso, sugiro ajuda de um profissional.

 

Os 5 estágios do luto ou fases do luto não seguem etapas que avançam para frente

Embora muito difundida na internet, as 5 fases do luto (raiva, negação, barganha, depressão e aceitação) é considerada uma ideia ultrapassada, como explicou Juliana Potter, especialista em luto da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, em uma entrevista que fiz em seu consultório.

A Rafaela nunca teve depressão nem raiva. Aliás, o luto não pode ser considerado depressão e sim tristeza pela perda de um ente querido.

O processo do luto não segue uma linha reta para frente, portanto não são etapas. Um evento, como escutar uma música, pode desencadear choro a qualquer momento da vida. Ocorre tanto no início do processo do luto ou muito tempo depois quando achamos que o luto já chegou ao fim.

Eu falo sobre as fases do meu próprio luto no artigo e vídeo “As 5 Fases do Meu Luto”.

 

Os cuidadores precisam estar saudáveis para cuidar da criança enlutada

Aprendi essa lição duramente. Descuidei da minha saúde, sempre com aquela desculpa “eu mereço tomar uma cerveja”, “eu mereço comer duas pizzas”, eu mereço fazer isso, fazer aquilo.

Quando me dei conta, estava 20 quilos mais gordo e sem energia para cuidar da minha filha que vivia o processo do luto infantil. Estava sempre cansado.

Conhece aquele procedimento de emergência nos voos de avião? Quando cai a máscara de oxigênio devemos primeiro colocar em nós mesmos para depois colocarmos em quem está ao nosso lado. Como posso cuidar de alguém se não sou capaz de cuidar da minha própria saúde?

A ficha caiu! Comecei a seguir alguns médicos especializados em medicina integral e preventiva. Voltei a praticar corrida, musculação. Melhorei minha alimentação. Perdi dez quilos em um mês e vinte em dois meses.

 

O processo do luto infantil, quando vivido de forma saudável, fortalece a criança

A minha filha Rafaela é hoje uma criança segura de si, com autoestima elevada e sem traumas. Consegue lidar com suas frustrações de forma natural.

Acredito que muito se deve à forma com que todos nós lidamos com seu luto infantil. Os vídeos, desenhos e conversas que tivemos ajudou a torná-la uma criança comunicativa.

Verbalizar seus sentimentos, além de aliviar sua dor, permitiu que eu entendesse o que ela estava sentindo.

O objetivo deste artigo é contar nossa história para ajudar você a encontrar maneiras de lidar com o luto infantil.

 

Agradecimento

Quero agradecer a você que teve paciência comigo e minha filha Rafaela nos momentos de profunda tristeza e até de raiva.

Agradeço a você, professor, educador, psicólogo, amigo, vizinho, parentes, pai, irmãs pelo carinho que deram a mim e a minha filha.

Minha sincera gratidão a você, leitor deste blog, que participa dos comentários e compartilha para espalhar conhecimento sobre o luto.

Obrigado!!!

 


Sobre o autor deste artigo

Ronaldo Baker, pai viúvo, é autor de vários desenhos e artigos sobre o luto e paternidade

Ronaldo Baker Kaipper, designer, pai da Rafaela, é autor deste blog. Sua história e seus desenhos ficaram conhecidos em todo Brasil.

Esteve presente em diversas mídias como Folha de São Paulo, Rádio Jovem Pan, Globo, Record entre outras.


 

6 comentários em “Luto Infantil: 6 dicas e 6 necessidades da criança enlutada”

  1. Oi, Ronaldo,
    que lindo e intenso seu site e que incrível você poder compartilhar suas vivências.
    Sou profa de Psicologia Médica da EPM/ UNIFESP e gostaria de convidá-lo a escrever para o blog do nosso site sobre sua vivência de pai enlutado e a vivência do luto infantil.
    Penso em divulgar seu site e instagram para ajudar os cuidadores que estão vivenciando as dores do processo de luto nesse momento.
    Desde já agradeço

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  2. Boa tarde.
    Estou viúvo a um mês e dez dias. Fiquei com um bebê prematuro que agora tá com um mês e 25 dias e uma menina que completou sete anos, seis dias depois do falecimento da mãe. Tenho tido ajuda de familiares e amigos mas ainda não estou conseguindo lidar com a situação
    Principalmente com a minha filha de sete anos. E tenho mais um filho que fez 16 anos ontem que também foi criado pela minha esposa como filho dela. Está muito difícil para todos nós.

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  3. Olá, Ronaldo, tudo bem?

    Adorei ler sua história, ver como você soube lidar com o luto infantil da sua filha, e ajudar outras famílias que passa por isso, é importante falar sobre o luto e mostrar para a criança realmente a morte.

    Sou Psicóloga infanto-juvenil, com essa pandemia, muitas pessoas e inclusive crianças que perderam seu ente querido e estamos lutando para que isso passe logo.

    Obrigada por compartilhar

    Psicóloga Clínica
    Nathália Moraes
    CRP: 06/117082
    (18) 99778-5983

    Assis/SP

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  4. Achei seu post por acaso, mas creio que vai me ajudar bastante pois passo pelo mesmo processo, minha filha perdeu o pai, também com 5 aninhos, no próximo mês ela faz 8 anos.

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  5. Primeiro gostaria de parabenizar vc, por dividir sua experiência com outras pessoas.
    Há 10 anos, fiquei viúva e na época meu filho tinha 14 anos.
    Uma fase difícil, mas sem muito conhecimento do assunto luto.
    Com ajuda de psicólogos e amigos, cumpri as necessidades que vc citou mesmo sem saber, e superamos, mas quis o destino ou o nome que quiserem dar, há dois anos e meio, na véspera de completar 20 anos, esse filho faleceu vítima de um atropelamento.
    Me vi sem chão. Fui ao fundo do posso. Foi aí que conheci o site vamos falar do luto, através do qual conheci sua história e de outras tantas pessoas, e que me ajudaram muito.
    Hoje digo que sim precisamos ser preparados para viver a morte, afinal, todos temos um final, e por medo ou sei lá o que não conversamos sobre o tema “Vamos Falar sobre o luto” . Rose – Americana SP

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